Todos
conseguem ver que a Copa do Mundo desse ano tem um sabor diferente para nós,
brasileiros. Não existe mais aquela euforia geral, aquela emoção causada pelo “sou
brasileiro com muito orgulho, com muito amor” ou o velho sentimento de felicidade
criado pelo sistema do pão e circo. Não. Não nessa Copa, como concorda Humberto Miranda no Blog de Juca Kfouri do UOL. As coisas estão
diferentes, justamente porque, dessa vez, o Brasil é sede do evento. Os
brasileiros são anfitriões, e, assim como todo anfitrião, eles desejam limpar a
casa antes de receber visitas. Entretanto, é impossível que um país com sujeira
e problemas acumulados por 500 anos simplesmente consiga limpar a casa em 7
anos. É impossível. E isso faz os brasileiros olharem para o próprio umbigo e
pensarem: “as pessoas vão ver tudo que nós sofremos! Que vergonha; imagina um
alemão passeando pelo centro de São Paulo e pegando um ônibus lotado. Coitado”.
O "Imagina na Copa" é um projeto social que busca mudar a realidade do Brasil |
Coitado
nada. Coitados dos brasileiros! Eles que sofrem com isso todos os dias. Os
europeus e demais turistas ficarão 40 dias e vão voltar para suas cidades lindas
e cheias de virtudes e de justiça. Mas os brasileiros continuarão aqui com os
problemas de sempre. Por isso essa mentalidade política que vem se despertando é
extremamente benéfica. Com ela é possível criticar os governos para exigir
melhoras. E, acreditem, isso é algo que resolve problemas. Esconder tudo
embaixo do tapete e continuar a vida como se nada tivesse acontecido só serve
para manter a situação atual. E ninguém está feliz com a situação atual. Esconder
problemas nunca ajuda a resolvê-los, mas apontar para esses problemas e mostrar
ao mundo o que o povo passa todo dia, sim.
O Brasil
tem muitos problemas que sempre escondeu do mundo usando máscaras. Máscara do
Carnaval, do samba, do futebol e das mulheres lindas. É como um monstro que,
por ser feio, dizia que tinha características bonitas para não se sentir mal
consigo mesmo. E, agora que o monstro aparece nos holofotes do mundo inteiro, a
feiura aparece, e ele sente vergonha por ter traços tão feios. Tanto, que até
desistiu de mostrar como é bonito e passou a se lamentar e revoltar por ser assim.
Reconhecer erros e defeitos de si mesmo machuca, por isso esse monstro chamado
Brasil tem tantos sentimentos ruins relacionados com a Copa do Mundo. Ela o
obriga a se auto-analisar!
Mas pouco a
pouco o monstro vai perceber que reconhecer os problemas e defeitos é o
primeiro passo para superá-los. Vai jogar fora todas as máscaras e aparecerá ao
mundo tal como ele é: um país com virtudes e defeitos múltiplos. Todos conhecerão o verdadeiro Brasil e, no fundo, terão carinho por essa mistura louca
de pessoas, crenças, situações, desejos, idéias, etc. E isso é fruto do reconhecimento que o próprio brasileiro tem. Reconhece os limites de sua nação e vai exigir mudanças gerais e profundas,
pedindo melhoras para todas as pessoas desse país. Algo único na história do
Brasil!
Quando já
se viu as classes ricas se preocupando tanto com as condições dos
pobres? Quando um rico pediu saúde, transporte e educação de qualidade? Poucas
vezes na história as classes médias e altas se indignaram tanto com a precária
situação dos serviços públicos do país (principalmente porque elas não costumam
utilizá-los, pois optam pela versão privada desses serviços). Mas, ao imaginar
cidadãos de primeiro mundo passeando por nossas ruas de terceiro, se revoltam e
passam a exigir (com razão) serviços proporcionais aos tributos que pagam
constantemente. E quem se beneficia com isso são os mais necessitados, que
dependem desses serviços em seu cotidiano. E então, com esse sentimento de
querer o que merece, o Brasil deixa de desejar ser campeão mundial de futebol para
tentar melhorar os serviços do país.
A sociedade quer "padrão FIFA" nos serviços públicos, como diz essa reportagem da revista Istoé |
A atual
postura da imprensa favorece essa situação. Cada notícia publicada pela Grande
Imprensa reforça a ideia de que o país está um caos, o que serve de arma política para
os barões da comunicação, que não duvidam em culpar o governo do PT por todos
males possíveis. Mas essa postura da imprensa também é benéfica para o país,
pois da repercussão aos movimentos sociais e põe ênfase nos problemas que devem ser encarados e resolvidos, algo que é deixado de lado quando os
interesses dos manifestantes não correspondem com os dos grandes meios de
comunicação do país.
Essa “cobertura
do caos” que a imprensa promove atualmente põe luz em partes feias do Brasil, o que causa indignação da população
e desejo de melhora. Dessa forma, erros são reconhecidos e exigências são
manifestadas, o que é muito saudável para a Democracia. O brasileiro precisou
desses eventos para acordar e perceber os pontos negativos do país. Ao invés de
tentar esncondê-los, como sempre fez. Se a Copa fosse em outro país, a
população estaria enfeitando carros e ruas para criar um dos poucos momentos
patrióticos do país. Mas não. Hoje, ao invés de enfeites, existem queixas. Ao
invés de cerveja e samba, existem manifestações e exigências. Ao invés de pão e
circo, existe consciência social e política.
Esse talvez
seja o melhor legado da Copa. Que, por ser intangível, não pode ser medido ou claramente
detectado. O Brasil acordou e, depois de pagar a hospedagem do hotel 5 estrelas que frequentou durante o sono, quer rapidamente que o Governo sirva café da
manhã, almoço e jantar de primeira qualidade, de acordo com o preço que pagou. Não se contentará com pouco, o que motiva a criação
de Foros e encontros que estudem diferentes temas de diferentes áreas para propor medidas profundas como uma reforma política.
Ou até mais! O descontento da população é tão grande que somente uma
transformação completa poderia agradar os cidadãos. Significa reformar o Estado.
Refundar o Brasil se baseando nos princípios democráticos da Constituição de
88, mas com aquele ar tecnológico e representativo que o século XXI exige. Nesse
sentido, somente uma Assembléia Constituinte Exclusiva poderia dar aos brasileiros
reformas tão complexas e variadas como as que apareceram em junho do ano
passado. Outras medidas seriam insuficientes: seria o mesmo que tratar um câncer
com aspirina: seria bom, mas não resolve os grandes problemas nacionais.
O Congresso
não representa a sociedade. O Senado, tampouco. O tempo passa e os votos não
colocam representantes dos negros, índios, gays e outros coletivos. Com o
interesse político que cada cidadão vem desenvolvendo em si nos últimos tempos,
em pouco tempo as pessoas começarão a entender que o atual sistema nunca livrou
o país da Ditadura. Pelo contrário. Foi uma transição tão lenta e gradual que não
se completou até hoje. Por isso o país está tão atrasado em certas áreas.
Enfim, por
mais que a FIFA esteja lucrando milhões com isenção de impostos enquanto não
ajuda nem vendedores ambulantes ao redor dos estádios (a Lei Geral da Copa só
permite comércios da FIFA na região do estádio); por mais que os elefantes brancos sejam dignos de
pena e o padrão dos estádios não corresponda com o padrão dos serviços públicos
do país; a Copa deixará um legado. Se é positivo ou negativo, só o tempo dirá.
Mas essa consciência que aparece com a chegada dos grandes eventos já é boa para o Brasil, que, mais que nunca, vai começar a exigir do Estado
tudo aquilo que o Estado exige dele.
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